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Vacina pouca, meu braço primeiro?

As consequências daquilo que fazemos a qualquer custo não demoram a aparecer.

Cientistas de todas as partes do mundo estão trabalhando mais velozes do que nunca para desenvolver vacinas que possam auxiliar no controle da disseminação do covid-19. Elas parecem ser o modo mais eficaz de garantir a proteção contra esse vírus letal, aumentando as expectativas de que sejam distribuídas em larga escala.

Sendo a vacinação a defesa mais eficiente na erradicação de uma doença, seria ingênuo pensar que todos teriam acesso a ela assim que estivesse disponível. Desse modo, com o fornecimento limitado, coube ao governo deliberar sobre quais os grupos de pessoas as receberia com primazia. Essa decisão abarca em si o potencial de salvar dezenas de milhares de vidas. 

Diante da necessidade iminente de imunização, baseando-se em estatísticas quanto à letalidade, estabeleceu-se a ordem de prioridade. Instituiu-se que as primeiras doses seriam recebidas por profissionais da saúde e por idosos a partir dos 75 anos ou a partir de 60 anos quando institucionalizados, populações indígenas e comunidades ribeirinhas – todos eles considerados os mais vulneráveis ao risco de contaminação.

As doses subsequentes seriam destinadas aos demais grupos considerados prioritários como aqueles que sofrem de comorbidades, os operadores de transporte coletivo, a população encarcerada e as pessoas em situação de rua. Apesar de fazerem também parte do grupo principal, os professores estariam no quarto grupo, o último entre os prioritários antes da vacinação da população em geral.

A escolha da ordem da vacinação, apesar de buscar seguir uma lógica baseada em estatística, ignora que números desconsideram a humanidade. Quando apontamos somente para os dados, perdemos de vista a importância do sujeito. Dessa forma, se multiplicam os grupos que se percebem desvalorizados em relação a sua participação e importância na sociedade.

Os princípios éticos que deveriam otimizar os benefícios, minimizar os danos e  aplacar as iniquidades,  se rendem a uma coerência matemática que suprime o subjetivismo, impactando diretamente na autoestima e no autoconceito de profissionais que atuam ativamente em seus ofícios, mesmo diante da pandemia. Nesse sentido, aumenta o sentimento de angústia frente à impotência.

Em um ano de crises que se atravessam, negligenciar o papel fundamental de determinados profissionais resulta diretamente em adoecimento psíquico. A carência de reconhecimento traz um alto impacto na saúde mental. Desse modo, salvar o maior número de vidas possível segue sendo imprescindível – mas é preciso perceber que as consequências, daquilo que fazemos a qualquer custo, não demoram a aparecer.

Artigo da psicóloga Bruna Richter

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