Cotidiano

'Quero trabalho digno', diz transexual; veja relatos sobre projeto social em SP

TRANSEXUALHá seis meses, Aline Marques passou a ver mais a luz do dia. Em vez de trabalhar nas noites de São Paulo, ela agora acorda cedo, vai para a escola, recebe bom dia dos colegas e ganha abraços no trabalho. Aline diz que a nova rotina é “pura felicidade” – e o que ela chama de felicidade é não ser humilhada, não sofrer ameaças e não apanhar.Aline é uma das 100 transexuais e travestis que participam do Transcidadania, projeto piloto da prefeitura de São Paulo que dá bolsas de R$ 827,40 reais para quem cumprir 30 horas de aulas semanais. O G1 acompanhou as aulas e as atividades do grupo durante um mês e entrevistou dez participantes – veja o vídeo com os relatos.Além de frequentar a escola (86% não haviam terminado o ensino fundamental), as participantes recebem atendimento psicossocial, pedagógico e médico.

O foco do programa são pessoas em situação de vulnerabilidade: 85% vivem em quartos compartilhados, em casa de cafetina ou hoteis, 6% estão em albergues, 5% em ocupações e 4% são moradores de rua. Uma das exigências para ingressar no programa é estar há pelo menos três anos sem emprego com carteira assinada.Após seis meses do lançamento, a taxa de evasão é de 10% – além dessas dez, outras três pessoas saíram porque foram presas, uma conseguiu emprego e uma transexual morreu (baleada por um cliente quando estava se prostituindo). Mais de mil pessoas se inscreveram para a lista de espera e 171 estão aptas a participarem de uma eventual segunda turma.As 30 horas obrigatórias são preenchidas por atividades escolares e cursos ministrados no Centro de Cidadania LGBT, recém-inaugurado no Largo do Arouche.

As salas ficam cheias (as faltas são descontadas do pagamento) e muitas vezes os professores têm dificuldade de lidar com a ansiedade dos alunos pela vez de falar – e a vontade de serem ouvidos.“A primeira aula foi impossível de dar. Todo mundo falava junto”, contou o professor Fabio Mariano, doutorando em ciências sociais. Além da dificuldade de relacionamento entre os participantes – em uma das turmas a aula foi interrompida porque o grupo considerou a roupa de uma das alunas muito curta e transparente para o ambiente do curso – há ainda a dificuldade de se conviver com o contexto de violência que muitos vivem e acabam reproduzindo em falas e discursos agressivos. “A violência que sofremos na rua às vezes é internalizada e explode no outro”, disse Fabio em uma das aulas.Mas, aos poucos, as coisas parecem mudar. “Teve uma aluna que pra qualquer coisa falava: ‘vou pegar fulano pelo pescoço’, e foi parando.

Ao mesmo tempo, ela foi começando a participar de fóruns e debates públicos”, contou o professor.No curso de Cidadania e Direitos Humanos, os homens e mulheres trans aprendem como funciona o Congresso, quais são os direitos que todos temos garantidos pela Constituição, como é a divisão de poderes e como se faz uma lei no Brasil.Nos debates, surgem dúvidas sobre a possibilidade de usar o nome social nas escolas e em hospitais, e sobre a recente questão da retirada de referências às questões de gênero no Plano Municipal de Educação. Os professores estimulam os alunos a pensar políticas e formas de ter mais representação nos assuntos de interesse do público LGBT. “A gente precisa investir na formação de vocês”, diz Fábio para os alunos. “Eu não sou a voz de vocês. Vocês são a voz de vocês.”(G1)

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