Cotidiano

Projeto pretende transformar corpos humanos em adubo

CEMITERIOO corpo da pequena mulher de 78 anos de idade, com cabelos grisalhos caindo sobre os ombros rígidos, foi levado para um morro na Universidade Western Carolina, ainda vestido com uma camisola azul de hospital e meias verde-limão. Ela foi colocada sobre uma cama de serragem e, em seguida, mais serragem foi empilhada sobre ela. Se tudo acontecer como se espera, o corpo vai se transformar em adubo. Trata-se do próximo passo surpreendente no movimento pelo enterro natural. Embora cada vez mais pessoas optem pelo sepultamento em mortalhas simples ou caixões biodegradáveis, os cemitérios urbanos continuam se enchendo. Para aqueles que têm consciência ambiental, a cremação é uma opção problemática, uma vez que o processo libera gases de efeito estufa. Armada com uma prestigiosa bolsa de estudos na área ambiental, Katrina Spade, 37 anos, residente de Seattle formada em arquitetura, propôs uma alternativa: um local para a compostagem humana. A ideia é atrair o interesse de defensores do meio ambiente e cientistas. A mulher que foi enterrada na serragem é o primeiro passo para testar como isso funcionaria. “A compostagem faz as pessoas pensarem em cascas de banana e borra de café”, diz Spade. Mas “nossos corpos têm nutrientes. E se pudéssemos dar origem a novas vidas depois de morrermos?” Os cientistas concordam que os seres humanos podem ser compostados. Inúmeras fazendas em todos os EUA –entre elas pelo menos um terço das fazendas leiteiras do Estado de Washington– compostam os corpos de animais mortos. Em alguns Estados, o departamento de transportes composta animais atropelados nas estradas. “Tenho certeza de que pode dar certo”, diz Lynne Carpenter-Boggs, cientista do solo na Universidade Estadual de Washington que faz parte do conselho consultivo do Urban Death Project [Projeto Morte Urbana, em livre tradução], uma organização sem fins lucrativos fundada por Spade. O processo é surpreendentemente simples: coloque material rico em nitrogênio, como animais mortos, dentro de uma montanha de material rico em carbono, como serragem e aparas de madeira, acrescente umidade ou mais nitrogênio e faça outros ajustes, conforme for necessário. A atividade microbiana começará a cozinhar a pilha. As bactérias liberam enzimas que quebram o tecido em componentes menores como aminoácidos, e, eventualmente, as moléculas ricas em nitrogênio se ligam às ricas em carbono, criando uma substância parecida com o solo. As temperaturas chegam a cerca de 60 graus Celsius –às vezes mais, e o calor mata os patógenos comuns. Feito da maneira correta, não deve haver nenhum cheiro. Os ossos também compostam, embora levem mais tempo do que os outros tecidos. Spade projetou um edifício para a compostagem humana que pretende juntar a eficiência desse processo biológico com o ritual e o simbolismo pelos quais anseiam as pessoas em luto. Cada instalação da Urban Death teria no centro um cofre de três andares que ela chama de “núcleo”. Os entes queridos carregariam seu morto, enrolado em uma mortalha, por uma rampa circular até o topo. Lá, durante uma cerimônia para “depositar o corpo”, familiares e amigos colocariam o corpo dentro do núcleo, que poderia armazenar até 30 corpos ao mesmo tempo. Nas semanas seguintes, cada corpo desceria pelo núcleo até completar a primeira etapa da compostagem. Numa segunda fase, o material seria analisado, junto com qualquer osso reminiscente, e o composto seria curado. Spade estima que cada corpo, combinado com os materiais necessários como aparas de madeira e serragem, produzirá composto suficiente para encher um cubo de 90 centímetros por 90 centímetros de lado. Semanas ou meses depois, os familiares poderiam coletar parte do composto para usar como quisessem, talvez no próprio jardim ou para plantar uma árvore. Spade prevê que o restante irá para parques próximos ou áreas de conservação. Cada compostagem humana custaria cerca de US$ 2.500, uma fração do enterro convencional, estima Spade. Ela espera construir a primeira instalação em Seattle e depois desenvolver um modelo que outras comunidades possam usar em instalações projetadas localmente. “Como as bibliotecas”, diz ela. Primeiro, entretanto, ela e seus apoiadores no Urban Death Project terão de superar uma série de obstáculos. Um deles, e não menos importante, é o fator “eca”.

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