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Justiça amplia prazo da USP para a entrega da fosfoetanolamina sintética

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Justiça amplia prazo da USP para a entrega da fosfoetanolamina sintética

A Justiça está ampliando de cinco para 20 dias o prazo dado à Universidade de São Paulo (USP), em São Carlos (SP), para a entrega das cápsulas de fosfoetanolamina sintética. Desde o início, a instituição de ensino informou que não tinha condições de produzir o composto em larga escala e advogados veem a mudança como um reflexo da grande quantidade de pedidos apresentados nos últimos meses e da interrupção temporária da entrega com o primeiro parecer do Tribunal de Justiça sobre a substância, que será debatida em audiência pública no Senado nesta quinta-feira (29).
Distribuída pela USP de São Carlos por causa de decisões judiciais, a fosfoetanolamina, alardeada como cura para diversos tipos de câncer, não passou por testes em humanos necessários para se saber se é mesmo eficaz, e por isso não é considerada um remédio, como destaca a própria universidade. Ela não tem registro na Anvisa e seus efeitos nos pacientes são desconhecidos. Tampouco se sabe qual seria a dosagem adequada para tratamento. Relatos de cura com o uso dessa substância não são cientificamente considerados prova de eficácia, já que não tiveram acompanhamento adequado de pesquisadores.
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Tempo
Segundo o advogado Leandro Aparecido de Souza, o tempo médio de espera dos pacientes, a partir da entrega da liminar, varia de 15 a 25 dias. “Tenho cliente que aguarda há um mês e não recebeu, e outro, por exemplo, que recebeu depois de 15 dias”, disse. “Eles têm um prazo de cinco dias, mas não estão conseguindo, não têm capacidade, e até entendo. Não é um laboratório comercial. Mas a gente tem que fazer a nossa parte, a jurídica”.
Ele lembrou que as liminares preveem multa diária de R$ 1 mil em caso de descumprimento do prazo, mas afirmou que não está pedindo a execução dos valores. “O objetivo é receber a substância, não ganhar dinheiro”, argumentou, apontando que uma possível solução para a diferença entre a demanda e a produção seria a universidade firmar um convênio com um laboratório externo.
Jurandir De Castro Junior tem outra sugestão. O advogado pretende informar oficialmente o não cumprimento dos prazos e sugerir à Justiça que o reitor da USP realize uma reunião extraordinária com o Conselho Universitário para definir novas formas de cumprir a determinação, enfatizando também o papel do Estado de garantir o direito à saúde.
“Antes, eram cinco dias, mas isso se tornou impossível pelo volume. Não havia tanta demanda e, depois da primeira decisão do TJ, houve a interrupção da produção, mas as liminares continuaram. A USP não estava dando conta e a juíza, observando essa situação, aumentou o prazo para 15 dias e, agora, há decisões com 20 dias”, afirmou. “Para os pacientes, o tempo vale vida. A USP vai ter que tomar uma atitude”.
A assessoria da universidade não comentou o período de envio das cápsulas, a ordem seguida e se a instituição estuda firmar parcerias com laboratórios para ampliar a produção.
Espera
Mariani Goulart Sobue, de Barrinha (SP), é uma das pessoas que aguardam as cápsulas. Ela entrou com o pedido na Justiça e recebeu a primeira leva do composto no dia 25 de setembro, antes de o Tribunal de Justiça (TJ) suspender as decisões e do Supremo Tribunal Federal (STF) analisar o assunto, mas está preocupada com a segunda remessa.
Fiquei preocupada porque as cápsulas que temos estão acabando. No dia 20, peguei a liminar e fui até a USP, mas lá não se retira de jeito nenhum. Me informaram que vai chegar pelo correio, mas não deram um prazo”, contou. “Todo dia penso ‘hoje chega’. Tenho medo de não vir porque ele está bem. Tenho medo de não chegar e ele ter que parar o tratamento”.
“Ele” é o pai de Mariani, diagnosticado com câncer no pulmão no fim de agosto, aos 73 anos. Ao saber da doença, a família se lembrou da fosfoetanolamina. “Minha mãe tomou a fosfo cinco anos atrás, para câncer na garganta. Ela estava bastante debilitada pela radioterapia, não conseguia se alimentar, e no caso dela não teve como”, relatou. De acordo com a comerciante, o pai permanece ativo, trabalhando na barbearia dele, e deve passar por exames nesta semana.
Agilidade
No caso de Ana Paula Massonetto, as cápsulas chegaram rapidamente nas duas remessas solicitadas para o pai, de 80 anos. Ela relatou que, no último dia 19, fez contato com o IQSC por e-mail solicitando a segunda leva e foi orientada a seguir o procedimento disponível no site do instituto. No dia 21, ela fez o novo pedido, seguindo os passos recomendados, e, no dia 24, seu pai recebeu em casa mais 60 cápsulas.
Participante ativa das discussões sobre a fosfoetanolamina na internet, Ana Paula contou que o pai foi diagnosticado com câncer pela 1ª vez em 2012. Na época, passou por cirurgia, fez sessões de quimioterapia e radioterapia e recuperou a saúde. Em julho deste ano, porém, os médicos diagnosticaram adenocarcinoma de pulmão com metástase óssea.
“Sugeriram a químio como paliativo, para, no máximo, aliviar os sintomas. Ele não queria sofrer os efeitos e achávamos que ele não ia aguentar porque está mais debilitado do que há três anos”, disse Ana Paula. “É sempre difícil assumir o risco, a responsabilidade por um tratamento que não está plenamente pesquisado, mas, no caso dele, era a fosfoetanolamina ou nada”.
Ana Paula relatou que, quando começou a usar a substância, o pai estava perdendo a força para executar tarefas e sofria com crises de falta de ar. Desde então, ela reparou que ele “parou de piorar” e ficou mais animado, mas aguarda a realização de exames para a análise dos efeitos do composto.
“A dor destrói, não deixa pensar. Ele não queria sair de casa e, depois da fosfoetanolamina, teve vontades. Subiu em uma escada e, dela, em uma jabuticabeira, e isso já é um indicativo muito grande”, comentou, descrevendo a foto que repercutiu em grupos de discussão sobre o composto. “Tem que ter pressão para que as pesquisas sejam realizadas, isso é de interesse da ciência e da sociedade, e liberar para pacientes terminais. Qual é o risco para eles?”, opinou.
Discussão nacional
A fosfoetanolamina sintética será debatida nesta quinta-feira (29), a partir das 9h, na Ala Senador Alexandre Costa, plenário 3, no Senado, com transmissão ao vivo pela internet. A audiência pública contará com integrantes das comissões de Ciência e Tecnologia (CCT) e de Assuntos Sociais (CAS), pesquisadores do composto e representantes do Ministério da Saúde e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Nesta terça-feira (28), a substância também foi discutida em um encontro de Edson Fachin com o presidente eleito da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC), Gustavo Fernandes. Na reunião, o ministro do STF defendeu o diálogo com cientistas em temas controversos, de forma que os protocolos sejam respeitados e a vida humana seja protegida, e o médico informou que a entidade vai promover seminários e debates sobre a fosfoetanolamina.
Na semana passada, a Defensoria Pública da União no Rio de Janeiro ajuizou uma ação civil pública determinando que a União, a Anvisa, o Estado de São Paulo e a USP apresentem, no prazo de 60 dias, um desenho clínico com hospitais públicos ou privados para a realização dos testes necessários para o pedido de registro.
O documento pede também a suspensão da portaria do IQSC que proibiu a entrega de substâncias sem licença, que a União, o Estado de São Paulo, a USP e a Anvisa  apresentem um plano concreto de ações, no prazo de 20 dias, para garantir a continuidade do fornecimento da substância aos pacientes, e que as instituições garantam o fornecimento, em larga escala, para aqueles que estão recebendo tratamento paliativo ou nos casos em que os tratamentos convencionais são pouco funcionais.
Por fim, o documento apresentado pelo defensor público federal Daniel Macedo requer que, cumpridos os protocolos da Anvisa, todo o processo de fabricação, produção e comercialização seja elaborado pela União, e a entrega seja feita de forma gratuita ou com valor acessível para a população, por intermédio do Sistema Único de Saúde (SUS). G1

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