Cidades

Grupo causa polêmica ao unir rotina religiosa e encenação militar

IGREJA MILITARÉ uma guerra. Jovens rapazes usando verde e preto marcham e fazem saudações militares. Do alto de um tablado, o comandante pergunta: “Gladiadores, o que é que vocês querem?”. A resposta vem, em uníssono, num coral de vozes: “Altar, altar, altar!”. Não é uma guerra. Não estamos na Síria, nem no Iraque. A cena se passa entre as paredes de um templo – que pode ser o Templo de Salomão, em São Paulo, ou qualquer sede da Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd). O comandante da tropa não tem nada que lembre uma patente militar… Pelo contrário. Sua autoridade é, no máximo, religiosa. E ele atende por “bispo” ou “pastor”. Os soldados também recebem outro nome: são os Gladiadores do Altar (GA). Membros da Iurd, os gladiadores são participantes de um novo projeto da instituição, que começou em janeiro deste ano e, segundo a igreja, tenta ajudar rapazes que querem fazer trabalho missionário. Se você nunca ouviu falar deles, talvez queira dar uma olhada em alguns vídeos que caíram na internet nas últimas duas semanas. Foi bem aí que os gladiadores saíram do interior da igreja para dar o ar da graça no noticiário nacional. A apresentação de um grupo de GA em Fortaleza, no Ceará, foi o estopim para o frisson. Nas redes sociais, só se falava disso. Teve até político se pronunciando. O deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ) classificou as imagens como “chocantes” e disse que o fundamentalismo cristão ameaça liberdades individuais. “Não é por que tem a palavra ‘cristão’ na expressão que o fundamentalismo cristão deixa de ser perigoso e não fará o que já faz o fundamentalismo islâmico”, postou, no Instagram. Em Salvador, a Casa de Oxumarê divulgou uma carta aberta pedindo que as autoridades brasileiras investiguem os GA. “Caso seja constatada a incitação ao ódio e à violência física, psicológica e moral, pedimos que seja minucioso e criterioso na aplicação da lei”, diz o texto.

Até a morte – Na Roma Antiga, gladiadores eram lutadores – mas também eram escravos que deviam servir até a morte. Coincidência ou não, a descrição de uma página dos Gladiadores no Facebook vinha com uma descrição que lembra os romanos: “Entrei vivo, só sairei morto! Obra de Deus. Nosso foco é o altar”. Assim como os antigos, os gladiadores da atualidade não são velhos: apenas homens com até 26 anos participam do projeto. Para quem só existe há dois meses, o grupo já é bem numeroso – 4,3 mil jovens só no Brasil, segundo a Iurd. Isso mesmo, há gladiadores em outros países, como Estados Unidos, Argentina, México e Colômbia. Assim como os brasileiros, todos são ligados à Força Jovem Universal (FJU), um programa social da igreja. Para a Iurd, a polêmica foi incitada pelo “ódio e preconceito”. Os gestos militares seriam uma coreografia para a estreia do projeto. A igreja diz que os vídeos foram mal interpretados e que a sugestão de criação de um exército fundamentalista é “estúpida”. De acordo com a assessoria da Universal, a única atividade dos GA é um estudo bíblico semanal, de 45 minutos, liderado pelo bispo ou pelo pastor. Ou seja: não há nenhum treinamento militar.

Baianos – Aqui na Bahia, os rapazes se reúnem na Catedral da Avenida ACM nos domingos, às 14h. É difícil saber quantos são, ao certo, mas fotos postadas no Facebook mostram pelo menos 100 reunidos em frente ao templo. A verdade é que, depois que atraíram os olhares, os soldados de Cristo se fecharam. Na última terça-feira, a página dos Gladiadores do Altar – Bahia, fundada no final de janeiro, tinha 181 curtidas. No dia seguinte, logo após o CORREIO ter entrado em contato com o administrador, o perfil havia sido excluído. Na catedral, nenhum dos pastores à frente do movimento quis conversar com a reportagem. Os próprios GA estavam arredios: dos 23 contatados por nós, de diferentes cidades e países, apenas dois aceitaram conceder entrevista. Um soteropolitano chegou a dizer que tinha “ordens” para não falar sobre o projeto. Gustavo*, um gladiador pernambucano, 19 anos, não tem dúvidas de que as comparações com extremistas religiosos são infundadas. “Nós sofremos preconceito só por vestir a camisa de Jesus, ainda mais da Universal. O projeto tem como finalidade disciplinar e ensinar a obra num breve futuro. Evangelizamos de forma organizada, pois temos como intenção salvar a humanidade, pois sabemos com o que lidamos no mundo espiritual”, disse. A tal coreografia seria apenas uma representação do objetivo principal: chegar ao altar. Mas, afinal, o que é o altar? Segundo a Universal, é o local onde o ministro faz as pregações. “O altar significa uma mudança total, pois muitos (GA) eram criminosos e viviam na marginalidade. O altar é nosso tudo. Nos dispomos a servi-lo até nossos últimos momentos de vida. Não é palco. É santo!”, completou Gustavo. Ele mesmo diz que não chegou a usar drogas, mas andava com “más amizades”. O americano Ben*, 18 anos, também defende que altar é sacrifício. “É uma vida de total dependência de Deus. É a mesma coisa em inglês, espanhol, português”, exemplifica. Da rotina militar, eles também dizem que só levam a disciplina. “Quando vemos alguém que já serviu ao Exército, notamos algo diferente, como a postura e seriedade. O propósito é nos disciplinar e passar a seriedade que é o altar, a santidade da obra de Deus”, explica Gustavo.

Treino – Essa seriedade é pregada nas próprias aulas de ensino religioso. Um vídeo postado no YouTube pela FJU de Maringá, no Paraná, mostra a reunião de um pastor com os gladiadores -provavelmente gravada antes da primeira apresentação do grupo. “Você tem que estar pronto para a guerra” afirma o líder espiritual, antes de dizer que pretendia conferir a vestimenta de todos no grande dia de estreia: sapato preto engraxado, camisa e calça lavadas, barba feita, cabelo com gel. Num momento, o líder diz que nos dias seguintes, os gladiadores teriam “treino”, sem deixar claro o que significava. No entanto, os membros do projeto ouvidos pelo CORREIO garantiram que não há treinamento físico, assim como a assessoria da Iurd. Em outro vídeo, numa reunião dos GA do Espírito Santo, o pastor faz uma comparação com os radicais do Estado Islâmico. “Esses extremistas islâmicos são educados desde criança para defender aquilo que acreditam. Não está correto e nunca devemos concordar com isso. Mas se uma pessoa que crê no deus deles – que nós sabemos que é o diabo – tem tanta fé, tanto comprometimento, disposição… Imagina nós”, provoca. Enquanto enfatiza que os GA não devem ser menos dedicados que os muçulmanos, o pastor ainda diz que os cristãos de hoje não são como os da época da Bíblia. “Eles eram como os islâmicos hoje: estavam prontos para morrer”. É importante ressaltar, porém, que o Ministério Público do Ceará divulgou nota informando que não via conotação de milícia nos Gladiadores do Altar. “É preciso respeitar o direito constitucional de liberdade de culto e de expressão”. O Ministério Público da Bahia informou que não há nenhum procedimento para investigar o projeto. (Correio)

Artigos relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo

Adblock detectado

Por favor, considere apoiar-nos, desativando o seu bloqueador de anúncios